MEC e o paradigma da educação

Attíla Torres 

O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, por unanimidade, nesta terça-feira, 28 de abril, as diretrizes para orientar escolas da educação básica e instituições de ensino superior durante a pandemia do coronavírus.

Os 21 conselheiros votaram, em plenário virtual, um documento que traz orientações e sugestões para todas as etapas de ensino, da educação infantil à superior. O parecer foi elaborado com a colaboração do Ministério da Educação (MEC).

O material aprovado pelo CNE tem o objetivo de orientar Estados, Municípios e Escolas sobre as práticas que devem ser adotadas durante a pandemia, além de propor normas nacionais gerais. A reorganização dos calendários é de responsabilidade dos sistemas de ensino.

O presidente do CNE, Luiz Curi, lembra que o parecer foi construído com base em ações que o MEC já vinha desenvolvendo.

“O documento é importante porque apoia e estimula ações frente à pandemia do novo coronavírus. Isso auxilia as redes de ensino estaduais e municipais no acolhimento ao direito de aprendizado no país”, disse.

A abordagem apresentada pelo Governo Federal deixa claro que não houve um aproveitamento da oportunidade para iniciar uma revisão do modelo educacional vigente, que já se encontra há muito defasado, para iniciar a inclusão da Educação dentro dos paradigmas da nova sociedade. Ou seja, o que já estava fora de forma ficou mais distanciado ainda da realidade.

As pautas mais importantes debatidas no encontro virtual do MEC foram o calendário escolar de 2020 e se as aulas e as atividades a distância contarão como horas letivas ou terão de ser integralmente repostas quando as aulas presenciais forem retomadas.

O órgão responsável pelas diretrizes educacionais mostrou-se muito mais preocupado com a quantidade de horas-aula do que as consequências do período de isolamento na educação. Vê-se que talvez faltou melhor planejamento frente à nova realidade. Perde a Educação e a sociedade.

Tampouco o MEC preocupou-se em verificar a diferença entre o que foi realizado e absorvido pela população mais carente e com menos acesso à internet e demais tecnologias do que famílias que têm uma melhor estrutura. Mais uma vez, quem sai prejudicada é a sociedade.

Outro ponto a ser analisado: os professores foram pegos de surpresa e não tiveram tempo de se adaptar às aulas virtuais. Na grande maioria dos casos, sequer estavam em seus planos reconfigurar suas concepções, metodologias e seu paradigma para uma prática inovadora, frente às demandas de formação do cidadão do tempo presente, que dirá lidar com tecnologias, salas de aula virtuais e etc. E ainda mais preparar-se para tanto em curtíssimo espaço de tempo.

Vejamos: já vínhamos vivendo uma época de desestabilidade econômica, de vulnerabilidade social e de desequilíbrio da vida natural no Planeta, resultante do grande desenvolvimento técnico-científico dos dois últimos séculos, o qual, paradoxalmente, permitiu grandes avanços em todas as áreas que constituem a vida humana.

Porém o coronavírus acelerou ainda mais as pendências nas áreas de saúde, bem-estar, educação e economia. A pandemia chegou rapidamente e trouxe novas formas de viver o cotidiano, incluindo um estreitamento das relações familiares. Com isso tem-se também uma visão mais próxima da situação educacional dos filhos.

O modelo atual de educação vem do final dos anos 1790 e início do século XIX, com abordagens que visam simplesmente à reprodução do conhecimento. É o chamado “processo educacional vertical”, que seleciona e transmite o conhecimento de forma hegemônica.

A ruptura deste modelo ultrapassado de educação já se fazia presente há muito tempo. Muitos estudiosos alegam que desde antes de meados dos anos 1900 as salas de aula já demonstravam a necessidade de inovação.

O desafio de tornar o aprendizado intrinsecamente motivador para o estudante já vem sendo discutido há muitos anos, porém as escolas e o sistema de ensino têm se mostrado reticentes à estas mudanças. Apesar de há muito já ser visível que a metodologia vertical de ensino não ter mais resultados, visto que os alunos estão no século XXI e a metodologia ser de mais de 2 séculos atrás.

As relações sociais e da construção do conhecimento envolvem múltiplos fatores, muitos deles independentes e não mensuráveis, indicando uma complexidade na sua constituição. Tal complexidade exige que a educação seja vista hoje em dia com uma abordagem mais global, sistêmica e transdisciplinar em oposição à visão compartimentalizada e disciplinar.

Os estudiosos no tema apontam a necessidade de implementação de metodologias que maximizem o potencial de aprendizagem do aluno. Não bastando ter o acesso à computadores e tecnologias, mas sim, uma transição da tecnologia baseada em computador para a centrada no aluno. A pedagogia moderna afirma que o aluno deve ser estimulado a buscar soluções e não mais ter a educação baseada na simples memorização do conteúdo.

O CNE sugere que estados e municípios busquem alternativas para minimizar a necessidade de reposição presencial de dias letivos, a fim de permitir que seja mantido um fluxo de atividades escolares aos estudantes enquanto durar a situação de emergência.

Porém, em nenhum momento verifica-se que houve abertura para iniciar ao menos uma discussão sobre o teor das atividades, suas funções e a forma de manter o interesse do aluno. Na educação do século XXI, o conhecimento está fora da redoma.

Eis o grande desafio dos professores e escolas dos novos tempos: assimilar as transformações; criar métodos para atrair a atenção dos estudantes e agregar conhecimento a eles, oferecendo algo além do que eles poderiam obter numa simples olhadela na internet.

O professor precisa instigar a curiosidade! Precisa fomentar no aluno o desejo de aprender. A capacitação dos docentes é essencial para que ocorra efetivamente alguma inovação na sala de aula. Desconstruir a ideia de que conhecimento e aprendizagem é “chato”, “maçante” ou que “não tem aplicação na vida real”. A motivação dos alunos é o principal ingrediente da inovação de sucesso.

Faz-se necessário engajar os alunos no processo de aprendizagem, levando-os a assumir a responsabilidade por seu aprendizado. O desafio é mostrar aos alunos do século XXI como se aprende num método dentro da realidade do século XXI.

Em relação às orientações do CNE somente vê-se que o órgão manteve a questão de carga horária como balizador do que seria “válido” para calcular o ano letivo, sem buscar aproveitar para dar início a um debate sobre a atualização de metodologia de ensino.

Como alternativa à nova realidade de isolamento social o CNE autorizou os sistemas de ensino a computar atividades não presenciais para cumprimento de carga horária de acordo com deliberação própria de cada sistema.

O CNE listou uma série de atividades não presenciais que podem ser utilizadas pelas redes de ensino durante a pandemia. Meios digitais, videoaulas, plataformas virtuais, redes sociais, programas de televisão ou rádio, material didático impresso e entregue aos pais ou responsáveis são algumas das alternativas sugeridas.

Para pensar em soluções eficientes, evitar aumento das desigualdades, da evasão e da repetência, o Conselho recomenda que as atividades sejam ofertadas, desde a educação infantil, para que as famílias e os estudantes não percam o contato com a escola e não tenham retrocessos no seu desenvolvimento.

“Estamos fazendo todos os esforços no sentido de dar boas soluções ou mitigações às aflições que estão na ponta, das aflições das redes de ensino dos estados e dos municípios”, disse a secretária de Educação Básica, Ilona Becskeházy.

Também participaram das discussões do documento o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Fórum dos Conselhos Estaduais e a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME).

Houve ainda contribuições da sociedade, por meio de consulta pública.

Confira abaixo as recomendações do CNE para cada etapa de ensino:

Educação infantil – A orientação para creche e pré-escola é que os gestores busquem uma aproximação virtual dos professores com as famílias, de modo a estreitar vínculos e fazer sugestões de atividades às crianças e aos pais e responsáveis. As soluções propostas pelas escolas e redes de ensino devem considerar que as crianças pequenas aprendem e se desenvolvem brincando prioritariamente.

Ensino fundamental – Sugere-se que as redes de ensino e escolas orientem as famílias com roteiros práticos e estruturados para acompanharem a resolução de atividades pelas crianças. No entanto, as soluções propostas pelas redes não devem pressupor que os “mediadores familiares” substituam a atividade do professor.

As atividades não presenciais propostas devem delimitar o papel dos adultos que convivem com os alunos em casa e orientá-los a organizar uma rotina diária.

Ensino técnico – A ideia é ampliar a oferta de cursos presenciais em cursos de educação a distância (EaD) e criar condições para realização de atividades pedagógicas não presenciais de forma mais abrangente a cursos que ainda não se organizaram na modalidade a distância. Os estágios vinculados às práticas na escola deverão ser realizados de forma igualmente virtual ou não presencial.

Ensino superior – O CNE sugere que, para a continuidade das atividades de ensino aprendizado nesse nível de ensino, as instituições possam disponibilizar atividades não presenciais.

Educação de jovens e adultos (EJA) – Enquanto perdurar a situação de emergência sanitária, as medidas recomendadas para EJA devem considerar a harmonização dos objetivos de aprendizagem ao mundo do trabalho, a valorização dos saberes não escolares e as implicações das condições de vida e trabalho dos estudantes.

Educação indígena, do campo e quilombola – As escolas poderão ofertar parte das atividades escolares em horário de aulas normais e parte em forma de estudos dirigidos e atividades nas comunidades, desde que estejam integradas ao projeto pedagógico da instituição, para garantir que os direitos de aprendizagem dos estudantes sejam atendidos.

Nos estados e municípios onde existam conselhos de educação escolar indígenas e quilombolas, estes devem ser consultados e suas deliberações consideradas nos processos de normatização das atividades.

Avaliação – Sugere-se que as avaliações nacionais e estaduais considerem as ações de reorganização dos calendários de cada sistema de ensino antes de realizar o estabelecimento dos novos cronogramas das avaliações em larga escala de alcance nacional ou estadual. É importante garantir uma avaliação equilibrada dos estudantes em função das diferentes situações que serão enfrentadas em cada sistema de ensino, assegurando as mesmas oportunidades a todos que participam das avaliações em âmbitos municipal, estadual e nacional.

Nesse sentido, o CNE destacou que as avaliações e os exames de conclusão do ano letivo de 2020 das escolas deverão levar em conta os conteúdos curriculares efetivamente oferecidos aos estudantes, considerando o contexto excepcional da pandemia, com o objetivo de evitar o aumento da reprovação e do abandono no ensino fundamental e médio.

Aprovado pelo CNE, o documento ainda será homologado pelo Ministério da Educação (MEC). Conselhos estaduais e municipais de educação poderão ainda definir como cada localidade seguirá as orientações. As decisões finais de como o calendário será cumprido caberão a estados e municípios.

Para o CNE, o que deve ser levado em consideração é o atendimento dos objetivos de aprendizagem e o desenvolvimento das competências e habilidades a serem alcançados pelos estudantes em circunstâncias excepcionais provocadas pela pandemia.

No Brasil, em todos os estados há suspensão de aulas para conter o avanço da pandemia do novo coronavírus. No mundo, de acordo com os últimos dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que monitora os impactos da pandemia na educação, 191 países determinaram o fechamento de escolas e universidades.

A decisão atinge cerca de 1,6 bilhão de crianças e jovens, o que corresponde a 90,2% de todos os estudantes.

O fechamento das escolas tem impacto direto na decisão do retorno das atividades profissionais dos pais de alunos. Se durante o auge das medidas de isolamento nem todas as famílias tinham condições de acompanhar as atividades educacionais das crianças (muitos por precisarem trabalhar externamente, outros por desconhecerem tecnologia e ainda casos de famílias que ou tinham apenas um computador, ou nenhum, para todas as atividades propostas), como pensar na manutenção da educação à distância para crianças e adolescentes sem a presença dos pais em casa?

Todas estas questões fazem parte da análise e planejamento que os órgãos responsáveis devem buscar trazer a debate. Se não aproveitarmos este momento para plantar a mudança de paradigma, há um grande risco de cada vez mais aumentar a defasagem entre a realidade de ensino e a sociedade.

O planejamento e esforço econômico e tecnológico do governo para melhorar a qualidade e o desempenho dos alunos nos primeiros anos de formação intelectual é imprescindível para uma mudança efetiva na sociedade. Em um tempo de mudanças e evolução constante, o aprendizado deve ser contínuo e necessário. Desta forma, podemos nos preparar para enfrentar diferentes desafios sociais, econômicos, ambientais, tecnológicos e outros.

A educação desempenha um papel fundamental no progresso do coletivo social de uma nação. Sem dúvidas, este pilar tem o poder de transformar os pensamentos, comportamentos e formas de coexistência entre diferentes sociedades. E este é o momento de iniciarmos esta transformação.

Presidente do Podemos Esporte Bahia, Educador Físico, Gestor Esportivo, Administrador, Grão Mestre em Taekwondo. Condutor da Tocha Olímpica nas Olimpíadas do Rio 2016, Especialização nos Estados Unidos e Coreia do Sul.

 

TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO SITE POLÍTICA AO VIVO

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