OPINIÃO: O ENEM da desigualdade

 

Em todo o país, as aulas presenciais estão suspensas há cerca de dois meses por decretos estaduais e municipais. Estudantes, reitores e secretários de educação criticam a manutenção do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) em novembro e dizem temer que a realização do exame amplie as desigualdades.

A crise do novo coronavírus trouxe à tona problemas recorrentes na educação do país, que escancaram ainda mais a desigualdade social e a falta de acesso à internet. Além disso, a manutenção da data de realização do ENEM, definida pelo MEC (Ministério da Educação), vai prejudicar os alunos mais pobres.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse em pronunciamento na última quarta-feira (13/05) que a aplicação do pode ser atrasada caso haja necessidade, mas deve ser feita ainda este ano. “Estou conversando com o (Abraham) Weintraub (ministro da Educação). Se for o caso atrasa um pouco, mas tem que ser aplicado esse ano”, disse Bolsonaro em entrevista coletiva na portaria do Palácio Alvorada.

O ministro Gurgel de Faria, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), indeferiu liminarmente pedido feito por entidades estudantis para que o ENEM seja adiado. O pedido foi feito na segunda-feira (11) pela UNE (União Nacional dos Estudantes) e pela Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). Faria indeferiu o pedido liminarmente —ou seja, o mérito não foi analisado. As entidades estudantis ainda podem recorrer.

O conteúdo da decisão do ministro ainda não está disponível para consulta pública. Segundo a assessoria de imprensa do STJ, o ministro tomou sua decisão com base em dois argumentos: Faria avaliou que, além de os editais do ENEM 2020 não terem sido anexados ao pedido, não cabe ao STJ analisar atos que cabem ao presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão do MEC responsável pelo ENEM.

No documento apresentado à Justiça, UNE e Ubes argumentavam que o ENEM deveria ser adiado por conta da crise do novo coronavírus. As entidades citam o “prejuízo de milhares de estudantes que estão impedidos de estudar e se preparar para as provas em razão do isolamento social promovido pela pandemia da covid-19.”

As entidades estudantis lembram que muitos estudantes brasileiros, especialmente os pobres e os estudam em escolas rurais, não têm acesso à internet de forma satisfatória para estudar para as provas que estão previstas para acontecer em novembro deste ano.

Uma possibilidade para tentar diminuir a desigualdade no acesso aos materiais didáticos e às aulas seria implementar um canal de televisão para suprir essa demanda, alternativa que já está sendo utilizada por alguns estados, visto que a maioria dos lares possui TV.

A desigualdade social sempre foi um grande dilema no Brasil e ela permeia toda a nossa estrutura. A questão é que essa desigualdade era mascarada pelo acesso, mesmo que precário, a todos a escolas. Se não se tem mais garantido o direito à educação igualmente previsto na legislação uma prova classificatória como o ENEM é excludente. Este tipo de situação amplia ainda mais o abismo já existente.

Lembrando que cota não garante direito de aprendizado. Educação não é só conteúdo, ela também envolve questões sociais, emocionais, psicológicos, etc. A manutenção da prova do ENEM vai aumentar ainda mais o abismo que já existe em nossa sociedade. Afinal, a situação pré-pandemia já indicava que a cada 10 brasileiros, três não conseguem resolver operações básicas que envolvam, por exemplo, o total de uma compra, o cálculo do troco ou valor de prestações sem juros quando vão ao supermercado. Para essas pessoas, muitas tarefas do cotidiano são grandes desafios, dificultando a cidadania crítica e uma vida com autonomia.

Além do elevado número de analfabetos funcionais, existe outro quadro preocupante: entre a população considerada funcionalmente alfabetizada, apenas um em cada 10 brasileiros podem ser considerados proficientes e aptos a analisar, por exemplo, gráficos de duas variáveis.

Enquanto o assunto sobre a data do ENEM se avoluma nas redes sociais, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, segue afirmando que a prova não será adiada. As inscrições para a prova começaram no dia 11 e vão até o dia 22 de maio. O Exame está marcado para os dias 1 e 8 de novembro em sua versão impressa e 22 e 29 de novembro na versão digital.

As provas na versão digital serão feitas em 110 cidades em todos os estados e no Distrito Federal, em locais com uma infraestrutura adequada para receber os computadores onde serão aplicados os exames. As questões poderão apresentar infográficos, vídeos e games. Apenas a redação será redigida no formato impresso.

Pela primeira vez, o Inep irá aplicar provas digitais do ENEM 2020 para até 101.100 participantes que concluíram o ensino médio ou irão concluir este ano. Até o dia 13/05 quase 95% das vagas para as provas digitais já haviam sido preenchidas.

O ENEM Digital 2020 estava marcado para os dias 11 e 18 de outubro, mas foi adiado para os dias 22 e 29 de novembro em razão da pandemia de coronavírus. A alteração fez as novas datas coincidirem com a primeira fase da Unicamp, no dia 22 de novembro, e da Fuvest, no dia 29. Provas estas que são realizadas por alunos oriundos de diversos estados.

A Fundação Universitária para o Vestibular da Universidade de São Paulo (Fuvest/USP) e a Comissão Permanente para os Vestibulares da Universidade Estadual de Campinas (Comvest/Unicamp) informaram que não pretendem alterar as provas dos Vestibulares 2021 por coincidirem com as provas digitais do ENEM.

As assessorias de comunicação da Fuvest e Unicamp deram justificativas semelhantes para a manutenção das datas dos vestibulares. Elas alegaram que as universidades paulistas, públicas e algumas privadas, já haviam definido seus calendários quando as datas das provas digitais do ENEM foram alteradas.

As maiores universidades de São Paulo, como USP, Unicamp, Unesp, ITA, PUC-SP e Unifesp, reúnem-se todos os anos para elaboração de um calendário único de provas, para possibilitar que os candidatos participem de todos os vestibulares do estado.

Um outro motivo apresentado pela Fuvest e Comvest é o fato do ENEM Digital ser opcional e que os estudantes podem optar por fazer as provas impressas do ENEM 2020, nos dias 1 e 8 de novembro. Essas datas não coincidem com nenhum vestibular das grandes universidades de São Paulo.

Apesar de não cogitar o adiamento por conta do ENEM Digital, a Comvest afirmou que está acompanhando a evolução da pandemia e não descarta o adiamento, se for para garantir a segurança e bem-estar dos candidatos.

 

TEXTO POSTADO ORIGINALMENTE NO SITE POLÍTICA AO VIVO

 

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